2.11.2010

Face Visível



Política, Justiça e Informação. Eis as três linhas mestras, fundamentais à estrutura social, que foram perdendo os instrumentos teóricos e metodológicos que permitam no futuro passar, sem hiatos comprometedores, às tarefas «de campo» e com as quais se pretende revestir a calçada da praça pública. Isso explica porventura, por um lado, o carácter de muita "tapeçaria" exposta um pouco por todo o lado, com contornos esfumados, a aspiração a um estudo criminológico de algumas das manifestações mais expressivas da fenomenologia criminal dos últimos anos; mas, seguramente por outro lado, em muito menos que uma resposta cabal à generalidade das questões teoréticas, empíricas e pragmático-políticas que o tópico desta matéria suscita nas sociedades contemporâneas - nomeadamente na sociedade portuguesa.
Nem será, de resto, necessário apelar ao social survey para revelar e medir as atitudes colectivas dos cidadãos nem esperar pela sindicância da crítica - generalizada - para nos darmos conta do afunilamento das mangas e alçapões de que o têxtil jurídico padece.

Vejamos, por ordem: Justiça, Informação e finalmente Política. Sobrepondo a Justiça à Política e Informação, uma vez que destas duas últimas se pressupõe uma metodologia assentada na primeira, vou conscientemente privilegiar neste artigo uma referência teorética, talvez não despicienda, ponto entre parêntesis a realidade do problema criminal no contexto bem português.
A «Face Oculta» ou «Face Visível» é para todo(a)s nós manifesto que toda a reflexão criminológica assenta em infra-estruturas ideológicas mais ou menos conscientes e se projecta em sugestões de política criminal mais ou menos controláveis, com principal atenção nas técnicas de investigação aplicadas ao caso. Assunção minha, esta, que procuro converter num estímulo vigilante à tolerância perante o(a)s outro(a)s, como é óbvio.

À semelhança do que sucede com as demais ciências, nomeadamente as ciências humanas, a investigação criminológica não obedece a nenhum princípio de numeros clausus no que toca aos métodos, no sentido de técnicas de investigação. O que neste aspecto distingue a criminologia é apenas a circunstância (“excepcionalmente grave” foi o termo usado, esta manhã divulgado, por um eurodeputado justificando a sua candidatura à liderança do seu partido) de a tendência para a atipicidade das técnicas ser aqui particularmente potenciada. E isto por um conjunto de razões emergentes do factor pluridimensional deste caso, privilegiando um procedimento específico de procura, observação, manipulação e interpretação dos dados (escutas) aqui envolvidos.
Tratar-se-á, sobretudo, de técnicas de acesso ao universo de “simbolizações” dos visados e aos processos de transmissão que possibilitam a vida quotidiana. Compreende-se a articulação que este caso tomou a nível de deontologia por parte dos envolvidos, deste a recolha de dados, na sua avaliação à sua publicação. Afigura-se-nos mais pertinente uma referência sumária às mais herbadas publicações conduzidas sob uma “legitimidade que não deixa de ser puramente tendencial”, o que não se justificaria, por isso, uma insistência na ponderação dos créditos respectivos.
Por razões de arrumação, porque no fundo se trata de um órgão de comunicação autónomo no exercício do direito de informar de modo supostamente análogo ao disposto a prestar serviço público, rejeitando uma eventual reacção conformista, já se ensaiaram determinados items antes de uma total resignação aos benefícios de utilidade inquestionável e fundamentais ao estado de direito. Ao contrário do que acontece com o procedimento lógico-conceitual, esta acção obedece mais a critérios de utilidade (exposição, explicação e aplicação pragmática) do que de rigor.

Em síntese conclusiva, hoje em dia, com os actuais aparatos (necessários) em torno de temas delicados desta natureza, revelando, agora, uma Justiça há muito fragilizada, a subdivisão das tipologias de crimes em legais e criminológicas parece igualmente óbvia, agora. Tipologias legais são as que presidem, por exemplo, à sistematização da parte especial dos códigos penais e à generalidade das estatísticas oficiais. Ao lado do tipo legal de crime há, porém, que colocar o tipo de crime como unidade de sentido criminológico relevante em sede explicativa, político-criminal, etc.. É o que pode ilustrar-se com categorias como as do crime político, white-collar crime, crime organizado (como o desmantelado em Óbidos há dias em Portugal), crime against bureaucracies, crime sem vítima, crime ocupacional, crime violento (igualmente transitado para Portugal recentemente), etc..

Em Portugal temos bons profissionais nessas áreas? Sem dúvida alguma, são poucos mas são os melhores! E porque «justiça» foi o cerne deste meu artigo, nada mais justo do que finalizá-lo com a citação daquele que terá sido o derradeiro candidato a atirar a primeira malha neste assombrado charco, valendo como incentivo e arrimo. À semelhança da sua vizinha «criminal», a investigação «jornalística» correctamente levada a cabo "..apenas se compromete com a busca da verdade material. Não se deve preocupar com o politicamente correcto..(Gonçalo Amaral)" e .. atrevo-me: dissuasor.



Laetitea